21/11/2019

20 anos da revista ComCiência

Minha fala nos 20 anos da comciencia.br

A missão do Labjor é formar jornalistas de ciência qualificados a lidar com um alto nível de complexidade. Não especialistas em aspas, não marqueteiros nem relações públicas

A Marina Gomes – com quem trabalho na edição da ComCiência desde 2016 – e eu estamos no Labjor desde 2013, um período em que, como vocês sabem, quase nada aconteceu no Brasil... Bom, em aniversários e efemérides em geral a gente faz basicamente 3 coisas: recupera a história, repensa a missão e olha para o futuro.

 

Antes de falar o que me propus dizer, propriamente, eu gostaria primeiro de gastar um minuto dos meus 10 para fazer o registro de duas iniciativas muito importantes nos últimos 6 anos, portanto de nossa história recente.

 

Foram dois alunos da especialização que reformularam o site da revista ComCiência em 2016: Tiago Alcântara e Ton Torres. Sempre que posso eu agradeço a eles. Queria agradecer mais uma vez.

 

A segunda grande iniciativa foi da Marina. Ela teve a ideia de firmar uma cooperação informal com o Álvaro Kassab, editor-chefe do Jornal da Unicamp até meados deste ano, que funcionou muito bem no período da turma anterior. Estudantes da especialização escreveram reportagens de fôlego para o jornal, sob a atenciosa e paciente edição do Kassab. Então ficam aqui minhas homenagens a essas quatro pessoas que nos lembram de um princípio fundamental: jornalismo é trabalho coletivo.

 

Agora eu queria fazer alguns comentários sobre a nossa missão a partir de nosso nome: Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo. Eu pessoalmente não vou tocar no tema “balanço da relação ciência e sociedade”, mas me ocupar das contribuições do Labjor para o futuro.

 

“Jornalismo” pressupõe que este é o foco principal dentre as possibilidades de divulgação científica: a partir do jornalismo, espraiamos e diversificamos. Refiro-me é claro ao jornalismo MESMO, que busca a verdade na era da pós-verdade e não se confunde com publicidade nem relações públicas. Nada contra publicidade ou RP! Inclusive pagam bem melhor...

 

“Estudos” implica hoje, por incrível que pareça, teimar e reafirmar que o estudo é glorioso, a ignorância não deveria ser. Também é um alerta, porque há uma tendência histórica no jornalismo, nas redações, no “chão de fábrica” da notícia, de não reflexão sobre seus mecanismos, técnicas, ilusões, relevância e utilidades.

 

“Laboratório” pressupõe experimentação, prática da teoria, teste de inovações.

 

Somos portanto um laboratório de estudos. As elocubrações são livres desde que haja mão na massa. Espera-se prática, desde que não estéril, não mecanicista, não burocrática, não irrefletida nem acrítica. Somos um laboratório de estudos que critiquem, recuperem, melhorem, expandam o jornalismo AO MESMO TEMPO EM QUE PRATICA JORNALISMO (daí o vínculo entre a especialização e a revista ComCiência e o podcast Oxigênio). Em A regra do jogo, publicado em 1988, Cláudio Abramo, editor responsável pela ampla modernização das redações do Estadão e da Folha, apontava (com palavras duras) os limites de um certo tipo de teorização, assim como de um certo tipo de pragmatismo, ambos castradores da criatividade. (E também alertava para a impossibilidade de “improvisar” jornalistas.)

 

O que sobrou do nome é o “avançados”, e é aqui o meu ponto principal: assim como hoje a mera defesa da Constituição já é revolucionária, revisitar o básico do jornalismo é avançado, porque quando um exército está em retirada, um metro de terreno recuperado é um avanço! Pauta, apuração, checagem, confirmação, contraditório, texto redondo-bem escrito-bom de ler, edição que nem mata conteúdo por ser desleixada nem vende gato por lebre por ser sensacionalista. Não quero com isso dizer que descarto o estudo avançado no sentido da compreensão das novas plataformas, por exemplo. Mas, diante do conselho de que tudo seja reembalado em todas as plataformas, minha teimosia é que isso pressupõe um “produto zero”, e esse produto zero é sempre uma apuração, uma reportagem ou entrevista ou artigo de opinião que não seja pensata leviana ou infantilizada. Tendo conteúdo bom você consegue fatiar ou adaptar. Sem conteúdo bom de origem, a comunicação nas novas plataformas é rasa. Vídeo sem roteiro fica ruim. Foto bonita mas sem contexto é adereço. Podcast só de papo furado... eu prefiro papo furado no boteco. O Oxigênio, no ar desde 2015 e com mais de 80 edições, é um excelente contra-exemplo, ou se preferir, para ficar claro, um excelente exemplo de podcast com apuração, roteiro e edição. O 37 Graus, da Sarah Azoubel e da Beatriz Guimarães, também. Com apenas um ano e um mês, já brilha pelos motivos certos. Muita coisa hoje brilha pelos motivos errados!

 

O estudo avançado, finalmente, deve ter por objetivo, sem perder de vista o que foi dito antes, algo que o Herton Escobar apontou em artigo no mais recente dossiê da ComCiência: O trabalho do jornalista não pode se resumir ao de interlocutor acéfalo; um reprodutor de declarações que simplesmente ouve o que cada lado tem a dizer para depois escrever: Fulano disse isso e Sicrano disse aquilo, sem qualquer tipo de triagem ou checagem da veracidade ou plausibilidade daquilo que está sendo dito. Cabe ao jornalista filtrar o lodo da internet. Exercer esse filtro jornalístico exige expertise, especialmente no campo da ciência, que expõe o jornalista a assuntos multidisciplinares, multifatoriais e de altíssima complexidade.

 

A missão do Labjor é, portanto, mais do que nunca, formar jornalistas qualificados a formular ressalvas e contextualizações na amplíssima área da ciência. Não é formar escribas de declarações, não é formar marqueteiros, não é formar relações públicas. O jornalismo real é indispensável. Esse jornalismo está ficando raro. Esse jornalismo não pode ser improvisado. Esse jornalismo é a missão do Labjor.

 

Ricardo Whiteman Muniz

 

Sou jornalista com formação em direito e sociologia. Trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desde 2011, onde edito a revista digital ComCiência e dou aulas sobre pauta, reportagem e edição no curso de especialização em jornalismo científico (pós lato sensu), com duração de 3 semestres. Sou também consultor de pauta da Secretaria de Comunicação da Unicamp. Fui repórter da Exame.com (economia), editor no jornal O Estado de S. Paulo (educação e meio ambiente, saúde, ciência e religião), editor coordenador de ciência e saúde no G1.globo.com, portal de notícias da Globo, e trabalhei em ONG internacional (Open Doors), realizando viagens para diversos países, entre os quais Egito, Cuba, Israel, Peru e Holanda. Dei aula de Princípios de Direito para Jornalistas na Faculdade Cásper Líbero entre 2010 e 2011.