19/10/2005

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Relator de projeto de saneamento admite dificuldade para votar

País precisa de R$ 10 bilhões anuais para universalizar serviços de saneamento básico em 20 anos, mas só gasta R$ 3 bilhões. Para empresários, faltam investimentos porque setor não tem lei específica há 19 anos

Continua se arrastando a tentativa de aprovar no Congresso Nacional um marco regulatório para o saneamento básico que atraia investimentos para o setor -- sem lei específica há nada menos que 19 anos. "Vim aqui para admitir minha incapacidade de acelerar a tramitação", diz o deputado Julio Lopes (PP-RJ), relator do projeto de lei (PL) 5.296/05, que cria o Sistema Nacional de Saneamento Ambiental (PNSA). O parlamentar explicou as dificuldades a empresários em reunião nesta quarta-feira (19/10) na Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib). Clique aqui para ler a íntegra da apresentação feita pelo deputado.

 
Desde o colapso em 1986 do Plano Nacional de Saneamento (Planasa), estabelecido pelos militares em 1969 e implementado pelo extinto Banco Nacional de Habitação (BNH), não existe um marco legal para o setor.
 
Cada 1 real investido em saneamento significa economia de 4 reais em gastos com saúde. Segundo Lopes, 50 milhões de brasileiros têm acesso parcial, ou nenhum acesso, a serviços de saneamento básico. O Ministério das Cidades informa que 45 milhões de cidadãos não têm água de qualidade para beber em casa, 14 milhões não são alcançados pela coleta de lixo e 83 milhões não dispõem de rede coletora de esgoto.
 
Seriam necessários 10 bilhões de reais por ano para corrigir essa situação em 20 anos. Mas o gasto anual efetivo tem sido de 3 bilhões. Essa diferença de 7 bilhões de reais tem uma motivo: a falta de marco regulatório. "O que atrasa a aprovação da nova lei é falta de consenso e de priorização pela sociedade", afirma o relator do projeto de lei. "Somos o primo pobre da infra-estrutura", diz Newton Azevedo, vice-presidente da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib). "Esse vácuo de investimentos pode ser atribuído acima de tudo à insegurança dos investidores."
 
Pesquisa da Serasa aponta que o faturamento das empresas de saneamento caiu 24% em 7 anos. Já os investimentos recuaram de 58,6% do faturamento líquido em 1998 para 34,4% em 2004. Segundo a Serasa, os investimentos realizados com recursos do Orçamento Geral da União estão sofrendo reduções contínuas e correspondiam em 2004 a 17% do que foi realizado em 2001.
 
Falta consenso
Quando o Ministério das Cidades encerrou o período de consultas públicas para discutir o anteprojeto, em setembro do ano passado, já estava clara a dificuldade de obter consenso. O governo federal acusava as empresas estaduais de buscarem perenizar uma situação de auto-regulação, enquanto as companhias acusavam União de extrapolar sua competência constitucional.
 
"As empresas estaduais estão no melhor dos mundos. Não dão satisfação nem ao poder concedente, que pela Constituição sempre foi o município, nem ao usuário. Hoje as companhias se auto-regulam, definem tarifas, decidem onde aplicar os recursos", afirmava à época Abelardo de Oliveira Filho, secretário nacional de saneamento ambiental do Ministério das Cidades.
 
Para a Associação das Empresas de Saneamento Estaduais (Aesbe), o anteprojeto ataca quem mais investe no setor. As companhias estaduais são responsáveis por 76% dos investimentos, segundo a associação, e atendem 3 866 municípios (74% da população urbana). Departamentos ou empresas municipais de saneamento atendem 2 000 cidades (16,5% da população urbana). A Aesbe reclama do que qualifica "fúria regulatória e iniciativa burocratizante" do governo federal. Pela Constituição, a União pode apenas definir diretrizes para o setor de saneamento.
 
O PNSA tem, originalmente, 83 artigos e 684 dispositivos. "O projeto do governo federal chega a criar fundos municipais de saneamento, o que certamente não é sua competência", diz o deputado Lopes. Do final do ano passado até hoje, o projeto recebeu 862 emendas, depois consolidadas em 433.
 
Pesquisa de opinião
Para tentar impulsionar a tramitação do PL 5.296, a Abdib vai patrocinar uma pesquisa junto aos 5 600 prefeitos do país para avaliar suas opiniões sobre o marco regulatório do saneamento. A pesquisa deve estar pronta em 45 dias (início de dezembro) e vai servir de subsídio ao relatório do deputado Julio Lopes.
 
Uma das polêmicas levantadas no debate é qual ente da federação possui a titularidade dos serviços de saneamento. "O Supremo Tribunal Federal deve esclarecer isso ainda neste mês", diz Lopes.