30/10/2005

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Barreiras empurram a China para patamares mais elevados de produção

Segundo Oded Shenkar, autor de O Século da China, imposição de quotas contra produtos chineses pode ser tiro no pé. 'Em vez de bloquear a expansão dos chineses nos campos pretendidos, incentiva a China a avançar em direção a patamares mais elevados'

Oded Shenkar, autor de O Século da China (Editora Bookman), é titular de gestão de negócios internacionais da Fisher College, de Ohio, um dos estados americanos mais surrados pela concorrência asiática. Há trinta anos debruçado sobre assuntos chineses, Shenkar também escreveu Organization and Management in China 1979-1990 e International Business in China.

 
Com graduação e mestrado em Estudos do Leste Asiático pela Universidade Hebraica e doutorado pela Universidade Columbia, de Nova York, Shenkar presta consultoria para multinacionais nos Estados Unidos, União Européia, China, Japão e Coréia do Sul.
 
Leia abaixo alguns trechos selecionados do livro O Século da China:
 

"A metade das exportações globais chinesas é feita por multinacionais estrangeiras que se estabeleceram no país para abastecer seus próprios mercados nacionais e os mercados globais também. Na verdade, os chineses, como os japoneses antes deles, tendem a subtrair essas exportações dos seus dados sobre intercâmbio comercial, produzindo assim números bem menores sobre suas exportações (...) Não se pode desmentir que as empresas norte-americanas dão suporte às exportações chinesas para os EUA, quando não como produtoras, como compradoras.

 

É relativamente simples encerrar operações nos EUA, e por isso qualquer operação de produção pode ser comodamente transferida e começar logo a exportar para os EUA os mesmos produtos que fabricava anteriormente no país. Em comparação, as empresas da União Européia (especialmente em países como a Alemanha e a França) enfrentam enormes obstáculos quando decidem fechar fábricas nacionais, o que acaba tornando irrisório o ganho da operação de transferência para o exterior (...) A pressão chinesa sobre os mercados norte-americanos tende somente a se tornar cada vez maior. Empresas que até agora hesitavam em transferir produção para aquele país em função dos acordos com os sindicatos de trabalhadores, ou temendo um boicote dos consumidores, já chegaram à conclusão de que não terão outra opção além dessa transferência -- se quiserem continuar vivos no negócio.

 

A imensidão territorial da China lhe confere outra vantagem: enquanto o Japão se transformou, no decurso de menos de uma geração, de produtor de baixo custo em produtor de alto custo (e, ao contrário dos EUA, não tendo a imigração como amortecimento da transição), a China tem uma vastidão territorial interna com enorme estoque de mão-de-obra, o que lhe permitirá ascender na escala tecnológica sem sacrificar sua atual vantagem em termos de custo durante muitos anos ainda. A China poderá assim fazer uso de seu predomínio em áreas de mão-de-obra intensiva para progredir rumo às indústrias do futuro, de conhecimento intensivo. Além de contar com Hong Kong e Taiwan (e, até certo ponto, também Cingapura) como provedores de capital e catalisadores de conhecimento, a China dispõe de uma vibrante comunidade no exterior que desempenha importante papel em seu desenvolvimento e globalização. O Japão não contava com nada semelhante a isso. (...) Em contraste, o maior grupo de descendentes de japoneses no exterior depois daquele instalado nos EUA -- o do Brasil -- tem representado, acima de qualquer outra coisa, uma fonte barata de trabalho para uma sociedade que teme a heterogeneidade, em vez de um provedor de investimentos, conhecimento e contatos globais.

 

A impressionante reserva de mão-de-obra chinesa, com salários radicalmente inferiores no interior do país quando comparados com os do litoral e das áreas urbanas (a renda média na área rural, onde vive mais da metade da população chinesa, não chega a 25 dólares por mês), dá a impressão de que existe um país dentro do outro. Ao invés de o Vietnã ou Bangladesh substituírem a China como um paraíso da mão-de-obra barata, a província de Huan irá substituir a de Guangdong.

 

Embora a produtividade do setor manufatureiro norte-americano seja cinco vezes maior que aquela registrada na China, essa diferença não é suficiente para compensar a diferença salarial entre os dois países a média norte-americana é 30 vezes o valor da média chinesa. Além disso, a brecha em produtividade tende a se reduzir à medida que empresas chinesas investem em equipamento e no aperfeiçoamento das qualificações de seus funcionários.

 

A imposição de barreiras em forma de quotas pode ser desfavorável a quem pretender utilizá-las, pela possibilidade de com isso se estar, em vez de bloqueando a expansão dos chineses nos campos pretendidos, justamente incentivando a China a avançar em direção a patamares mais elevados da cadeia econômica.

 

Não se deve jamais ser dada como garantida a possibilidade de manter em território nacional as categorias mais avançadas de pesquisa e manufatura quando se está patrocinando uma terceirização no exterior de outras atividades de produção. É ingenuidade presumir que a China, ou qualquer outra nação, se disponha a aceitar semelhante divisão de trabalho no futuro. Na verdade, todos os indícios são de que não o fará.

 

Oficialmente uma democracia, a perspectiva de uma mudança de regime em Cingapura parece extremamente reduzida, o que faz dela inclusive um modelo para a China continental no futuro. Existem outros fatores que o regime chinês aprecia em relação a Cingapura: de muitas formas, trata-se da sociedade confucionista ideal, com liderança patriarcal, pesada socialização, ênfase na disciplina, e contolada por uma burocracia competente, prestigiada e altamente recompensada. A nação-ilha tem até mesmo academias confucionistas e é provavelmente a mais semelhante das reencarnações modernas de um império chinês dominado por uma dinastia esclarecida e administrada com base no mérito.

 

Enquanto a derrota do Japão na II Guerra Mundial limitou seus gastos futuros com defesa e preparação do aparato militar, a China é um membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas e se envolve cada vez mais em questões globais, envolvimento este que procura sempre alavancar em termos de posteriores vantagens econômicas.

 

Como se classifica um país governado por um regime comunista, mas cuja fatia do governo no PIB é menos do que a metade da mesma parcela do governo dos Estados Unidos? Uma economia que atrai o maior volume de investimentos estrangeiros da história sem proporcionar a devida proteção aos direitos de propriedade intelectual? Uma economia com taxas de poupança extremamente elevadas, mas que aloca incorretamente o capital de investimentos? Um dos mais competitivos mercados em determinados segmentos, mas que tem um regime paternalista de subsídios? Uma força de estabilidade no mundo dos negócios que ameaça recorrer à força para retomar a sua "província renegada" de Taiwan?"