17/09/2013

Folha de S.Paulo

Não fossem os EUA, brasileiro poderia ter barrado uso de gás sarin por Damasco

Quando buscava convencer o ditador Saddam Hussein a promover a entrada do Iraque na Opaq, submeter o país às inspeções e evitar o iminente conflito com Washington, o diplomata brasileiro José Maurício Bustani passou a sofrer achincalhes sistemáticos dos EUA

Dawisson Belém Lopes
Professor de Política Internacional e Comparada na UFMG e autor de "A ONU entre o Passado e o Futuro" (Appris, 2012)

Mario Schettino Valente
Mestrando em Ciência Política na UFMG
 
Um relatório da ONU atestou o possível uso de armas químicas contra a população síria, em 21 de agosto. Segundo o documento, as provas são "esmagadoras".
 
A Casa Branca temia que a tentativa da Opaq de investigar Saddam atrapalhasse o plano de invasão do Iraque, pois a constatação pública de que não existiam armas químicas no território iraquiano retiraria um importante argumento de legitimidade Curiosamente, mais de uma década atrás, as alavancas para evitar essa tragédia estiveram nas mãos de um diplomata brasileiro: José Maurício Bustani, que, entre 1997 e 2002, dirigiu a Opaq (Organização para a Proibição de Armas Químicas).
 
A Opaq foi criada com o objetivo de eliminar depósitos de armamentos químicos e destruir todas as usinas para sua produção. Diferentemente do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, o acordo constitutivo da Opaq é simétrico e impõe obrigações idênticas para todos os seus estados-membros.
 
Assim, países como Estados Unidos, Rússia e China, signatários do tratado, têm que se submeter a inspeções regulares, bem como à erradicação do arsenal químico.
 
Desde sua criação, em 1997, a organização comandada por Bustani passou a inspecionar seus membros, poderosos ou não, e exigir cumprimento de metas. A expectativa era de que a Opaq conseguisse eliminar todas as armas químicas até, no máximo, 2012.
 
A estimativa parecia razoável no início dos anos 2000, pois, sob a liderança de Bustani, a organização passou de 87 para 145 membros, incluindo países como Irã, Arábia Saudita e Paquistão. Além disso, destruiu aproximadamente 15% dos estoques de armas e 2/3 dos locais de produção de armamentos químicos em todo o planeta.
 
Contudo, quando buscava convencer o ditador Saddam Hussein a promover a entrada do Iraque na Opaq, submeter o país às inspeções e evitar o iminente conflito com Washington, Bustani passou a sofrer achincalhes sistemáticos dos EUA.
 
A Casa Branca temia que a tentativa da Opaq de investigar Saddam atrapalhasse o plano de invasão do Iraque, pois a constatação pública de que não existiam armas químicas no território iraquiano retiraria um importante argumento de legitimidade.
 
O golpe de misericórdia em Bustani ocorreu em abril de 2002, quando 48 membros da Opaq decidiram por sua demissão. Alegou-se descontrole financeiro na administração. Nos bastidores, sabia-se que a razão era outra.
 
A diplomacia americana, sob a batuta do subsecretário do Departamento de Estado John Bolton, ameaçava abandonar a Opaq, o que reduziria muito sua relevância.
 
À época, prevaleceu no Itamaraty o entendimento de que faltou disposição ao governo FHC para fazer frente à campanha de descrédito movida pelos EUA.