05/08/2014

Massacre em Gaza

Conflito entre Israel e palestinos não tem origem na existência do Hamas

A origem é a ocupação ilegal de territórios desde 1967. Enquanto Israel não retornar às suas fronteiras legais e não permitir a emergência de um Estado palestino soberano e viável, continuará a luta pela autodeterminação desse povo.

Breno Altman
Diretor do site Opera Mundi e da revista Samuel
 
O governo israelense e seus apoiadores mundo afora explicam o massacre em Gaza responsabilizando o Hamas. A organização islâmica seria a grande causadora dos conflitos, por seu eventual caráter terrorista e fundamentalista.
 
Não tenho qualquer identidade com o Hamas e suas posições. Cometeu inúmeros atentados inaceitáveis, contra alvos civis, além de defender posições retrógradas e fantasiosas. Também atuou para dividir a Autoridade Palestina.
 
Todas as nações oprimidas têm o direito, como está na origem do próprio Estado de Israel, de combater por todos os meios ao seu alcance os países que as colonizam Noves fora, foram acusadas de "terroristas" muitas organizações que travaram luta contra o colonialismo. O Irgun e o Lehi, por exemplo. Da primeira agremiação veio Menachen Begin. Da segunda, Ytzhak Shamir. Ambos comandariam por longos anos o governo israelense, a partir dos anos 70. Eram organizações armadas sionistas que desferiram violentos ataques contra alvos civis, britânicos e árabes, no período anterior a 1948. Esses dois grupos, fundidos, estão na origem do Likud, partido de Netanyahu.
 
"Terrorista" também era a OLP de Arafat, com quem Rabin negociou, e apenas depois de concluídos os Acordos de Oslo a resistência palestina reconheceu o Estado de Israel. "Terroristas" também foram Nelson Mandela e o Congresso Nacional Africano, a FLN argelina ou os vietkongs, para citar exemplo famosos.
 
Enquanto houver ocupação direta ou disfarçada haverá sempre grupos de resistência dispostos a matar e morrer pela liberdade O fato é que o direito internacional e a Carta das Nações Unidas condenam o colonialismo e reconhecem o recurso à rebelião, inclusive armada, de quem luta contra essa infame forma de opressão. Os Estados coloniais, como as ditaduras, têm por hábito chamar de "terroristas" todos os que decidem enfrentar sua dominação político-militar.
 
Mas, vamos supor, que o Hamas desaparecesse, por um passe de mágica. Estaria resolvido o dilema, seria implementada a solução dos dois Estados para dois povos e viria a paz? Quem responder positivamente a essas questões, o faz de má-fé ou não sabe o que diz.
 
O conflito entre o Estado de Israel e os palestinos não tem origem na existência do Hamas, mas na ocupação ilegal de territórios desde 1967. Enquanto Israel não retornar às suas fronteiras legais e não permitir a emergência de um Estado palestino soberano e viável, continuará a luta pela autodeterminação desse povo.
 
A contradição fundamental a ser resolvida é entre colonialismo israelense e soberania palestina, não entre religiosos e laicos ou teocratas e democratas Alguns setores optarão por formas incruentas, outros pela violência. Adeptos de ambas opções poderão alegar, com justeza, razões de ordem moral e legal: todas as nações oprimidas têm o direito, como está na origem do próprio Estado de Israel, de combater por todos os meios ao seu alcance os países que as colonizam.
 
Torna-se, portanto, uma questão secundária a caracterização da natureza do Hamas. Por menos que se goste e por mais que se critique suas ideias ou métodos, a contradição fundamental a ser resolvida é entre colonialismo israelense e soberania palestina, não entre religiosos e laicos ou teocratas e democratas.
 
Quem efetivamente quer retirar do Hamas o protagonismo que desempenha em Gaza, deveria se empenhar para que Israel pare com o massacre e aplique imediatamente a resolução 242 das Nações Unidas, de 1967 Aliás, quem efetivamente quer retirar do Hamas o protagonismo que desempenha em Gaza, deveria se empenhar para que Israel pare com o massacre e aplique imediatamente a resolução 242 das Nações Unidas, de 1967, como base para a urgente implementação da fórmula dos dois Estados.
 
A não ser que Israel esteja disposto a passar do massacre ao genocídio, encontrando uma solução final para a questão palestina, posição defendida apenas pelos extremistas mais tresloucados, enquanto houver ocupação direta ou disfarçada haverá sempre grupos de resistência dispostos a matar e morrer pela liberdade.
 
Sobre o direito de Israel a se defender
O governo de Netanyahu alega que os ataques a Gaza são legítima defesa. Como se a situação tivesse começado com lançamento de mísseis pelo Hamas.
 
O argumento, para início de conversa, tem um déficit original: ao menos desde 1967, quando tomou a força territórios árabes, Israel é o Estado agressor. Os palestinos, desde então, são os que possuem direito natural à autodefesa e à rebelião, como está escrito na Carta das Nações Unidas sobre povos submetidos a situação colonial.
 
Segundo, os mísseis do Hamas foram uma resposta, independente do juízo que se faça dela, à maneira como o governo de Israel conduziu o caso dos três jovens israelenses cruelmente assassinados. Ao contrário de considerar um caso policial, que pressuporia investigação e julgamento conduzido pela Autoridade Palestina, dentro de um prazo razoável, Netanyahu tratou como um tema militar, lançou uma onda de prisão em massa contra palestinos e denunciou a responsabilidade do Hamas sem que houvesse provas conclusivas a esse respeito. A organização islâmica contestou com seus disparos a esmo os gritos de guerra e a repressão generalizada conduzida pelo governo de Israel.
 
Terceiro, não se pode considerar "direito de defesa" um massacre como o que está em curso, com mais de 1,5 mil palestinos mortos, a maioria civil, incluindo mulheres e quase trezentas crianças, além de ataques a edifícios sob controle das Nações Unidas.
 
Estes três argumentos são suficientes para desmascarar o suposto caráter defensivo da escalada em Gaza. O nome do que faz o governo de Israel é crime de guerra.