17/01/2013

Ensino Superior Unicamp

"O mais importante para o Brasil é trazer professores e pesquisadores de fora"

Edson Machado, alto funcionário do Ministério da Educação por quase três décadas, conversou com a Ensino Superior Unicamp sobre marcos de seu período no governo, objeções ao programa Ciência sem Fronteiras e a necessidade de regular o setor privado

O matemático Edson Machado tem uma longa história no Ministério da Educação, desde o início dos anos 70 até 2001 – com uma breve interrupção, quando assumiu a Secretaria de Educação de seu Estado natal, o Paraná. Eunice Durham, antropóloga da USP e ex-diretora da Capes, diz que foi Machado quem lhe desvendou os mecanismos do sistema federal de ensino superior. De fato, Machado teve uma vivência única dos problemas da área: tratou de bolsas de pós-graduação no exterior diretamente com o general-presidente Ernesto Geisel; discutiu com o presidente Fernando Henrique Cardoso a ideia de transferir o ensino federal superior para o Ministério da Ciência e Tecnologia; frustrou-se com a incapacidade dos empresários em definir o perfil dos profissionais que queriam ver saindo dos primeiros cursos federais de formação de tecnólogos; foi solenemente vaiado em reunião da SBPC por causa do viés da pós-graduação definido no primeiro plano nacional para o setor. Hoje, tem sérias reservas em relação a um aparente exagero das metas do programa Ciência sem Fronteiras, insiste em que o grande problema da educação no Brasil continua sendo o ensino médio, e recomenda regulação para as universidades privadas. Mas, bem-humorado, mantém o otimismo: 'Acho que, apesar de tudo, nós estamos indo bem'. Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Machado concedeu à Ensino Superior Unicamp em Brasília, no ano passado:
 
"Fala-se em colocar os estudantes brasileiros nas melhores universidades estrangeiras, via Ciência sem Fronteiras. Eu duvido" Trajetória no MEC
"Se contar o Conselho Federal de Educação, como era chamado naquela época, comecei a atuar na área em 1972. Em 1974 já fui para o Ministério da Educação, trabalhar com o ministro Ney Braga. Fui ser diretor do Departamento de Assuntos Universitários (DAU), que depois virou Secretaria de Educação Superior (SESu). No DAU eu fiquei cinco anos. Aí saí, junto com o Ney Braga, e fomos para o Paraná. Ele assumiu o governo do Estado e eu fui para a secretaria estadual de educação (sou paranaense de origem). Foram quase quatro anos lá no Paraná. Quando voltei, fiquei sete anos como diretor da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior]. Aí não saí mais do MEC. Voltei depois já para a SESu, mas já no final do mandato do ministro Carlos Sant'anna [cuja gestão foi de janeiro de 1989 a março de 1990]. Mas fiquei sempre lá pelo MEC. Depois fui chefe de gabinete do Paulo Renato Souza [cuja gestão foi de janeiro de 1995 a janeiro de 2003]. Fiquei quase todo o período que ele ficou lá. Só saí antes do final em função de um mal-entendido com a imprensa [risos]. Na verdade, foi uma coisa muito séria com a Veja. E preferi me afastar para não interferir nos planos políticos do Paulo Renato, porque naquela época ele já estava meio beliscado pela política [risos]. O motivo foi uma faculdade privada criada pela minha esposa à época, que aliás foi professora da Unicamp por muito tempo, a Eda Barbosa. Como eu era chefe de gabinete do ministro e o Conselho Federal de Educação estava desativado, as decisões que caberiam ao conselho passaram a ser tomadas por uma comissão interna do MEC, criada pelo Paulo Renato, e eu era o secretário dessa comissão. Então a Veja começou a insinuar que eu teria facilitado a criação da faculdade, que era da minha esposa. Era uma mentira deslavada, o processo de criação da faculdade levou cinco anos. Mas, apesar do meu desmentido formal, a Veja insistiu. Enfim, esses desentendimentos com a imprensa... não tem jeito. Mas o episódio foi lamentável.
 
Enfim, as alusões que a Eunice Durham faz[1] são em virtude dessa experiência toda que eu passei lá dentro com vários ministros. Entrava ministro, saía ministro, e eu ficava. Foram vários, de diferentes partidos. Quer dizer, ficou claro que eu não tinha nenhum vínculo político, porque servia ministros de diferentes partidos. É muito difícil essa permanência, principalmente em funções como aquelas que eu ocupei. Eram muito ligadas, diretamente, ao ministro. Mas sempre tive muito apoio, inclusive dos reitores. Então os ministros não tinham muito o que alegar para me tirar.
 
O período em que a Eunice Durham esteve com a gente lá no MEC foi muito rico. O Paulo Renato foi muito criativo, ele queria fazer coisas diferentes. Então foi um período bastante interessante porque a gente discutia inovações. O Paulo lançou aquela campanha Acorda Brasil, Tá na Hora da Escola, que foi uma campanha pelo Brasil inteiro, uma mobilização nacional, uma coisa muito interessante. Eu ficava insistindo que o Paulo tinha que bater na tecla era do ensino básico, não era do ensino superior. Ensino básico é que era o problema. Logo em seguida ele propôs a criação do Fundef, Fundo de Apoio ao Ensino Fundamental, depois o Lula estendeu para ensino básico. Como chefe de gabinete, minha atuação era ajudar a formular, principalmente quando tinha textos legais envolvidos, eu tinha mais experiência do que os outros para formular os textos legais. Então era aí que eu ajudava o Paulo Renato, nessa afinação das iniciativas com os mecanismos de governo. O Fundef, por exemplo, era uma coisa muito complicada, porque tinha de fazer uma emenda constitucional. Mas o Paulo sempre se dispôs a ir ao Congresso, falar diretamente com senadores e deputados.
 
O episódio da LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação], por exemplo, foi uma confusão. A Câmara dos Deputados já tinha aprovado um projeto. Quando o Paulo Renato chegou no ministério, o projeto já estava no Senado, então qualquer mudança que quisesse fazer tinha de ser no Senado, e iria implicar em voltar o projeto para a Câmara... Foi uma tourada, um período muito delicado. Mas o Paulo sempre se dispôs a ir lá para dentro do Senado, conversar com os senadores, dialogar. Darcy Ribeiro estava lá, ainda, para ajudar. Darcy comprou logo a ideia do Paulo Renato. Porque Darcy já tinha um projeto dele, de LDB. Então era uma questão de tentar somar as coisas. O Paulo foi muito bem-sucedido, mas foi uma operação extremamente delicada, para a gente conseguir sair com uma LDB que fosse uma coisa mais razoável do que o projeto da Câmara, que era terrível, muito ruim mesmo. Foi uma experiência muito boa, valeu a pena.
 
Na Capes o fato mais relevante para mim foi o lançamento dos planos nacionais de pós-graduação. O 1º Plano Nacional de Pós-Graduação foi elaborado quando eu era diretor de Ensino Superior. O da Capes era o Darcy Closs, mas naquele período a Capes era muito ligada ao DAU. O lançamento do plano nacional de pós-graduação gerou uma discussão muito interessante, principalmente com a SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência]. O plano dava mais ênfase à pós-graduação como formação de professores do ensino superior, enquanto a SBPC defendia pós-graduação como formação de pesquisadores. Quando fui apresentar o plano na reunião geral da SBPC, na UFMG, eu fui vaiado! O pessoal chiou, reclamou, mas foi um debate que acabou trazendo como resultado uma atenção maior com os cursos de mestrado. Na época ninguém queria saber de mestrado, o xodó de todo mundo era o doutorado, e o doutorado baseado no modelo da USP, que era um doutorado sem curso, bastava fazer uma tese. Então gerou realmente um debate profundo e proveitoso naquela época, porque produziu uma estruturação mais séria dos programas de doutorado e um interesse maior pelos de mestrado, interesse que praticamente não existia naquela época.
 
Outra coisa importante foi o programa de construção de campi e instalação de equipamentos das universidades federais. Era um programa que contava com recursos externos, financiamento do BID, e os equipamentos, mediante acordos comerciais com países do Leste Europeu. Isso aí era um negócio meio complicado [risos], principalmente porque os pesquisadores não aceitavam os equipamentos do Leste Europeu, porque eram ruins, de baixa qualidade. Tivemos que renegociar com o Leste Europeu, mas ainda assim foi um programa muito grande e muito importante. Daquele programa resultaram os novos campi de várias universidades federais, que começaram aquele movimento de tirar as universidades do centro das cidades e levar para campi mais distantes, nos arredores das cidades. Que era outra coisa também muito, muito criticada.
 
Outra coisa que foi uma inovação foi a questão da extensão universitária. O pessoal ficava batendo muito naquela tecla de que a Universidade era ensino, pesquisa e extensão, só que ninguém sabia o que era extensão. Começamos um debate sobre isso, eu criei dentro do departamento uma coordenação especial para tratar só de extensão, que também gerou muita coisa boa. Tinha um debate muito sério nessa questão da extensão, com o famoso projeto Rondon, que eu criticava muito. Não fazia sentido, para mim, aquela história de pegar estudante do Rio Grande do Sul e levar para o Amazonas. Aí, já existia, eu só estimulei, uma iniciativa oposta ao projeto Rondon, que eram os chamados Crutac's, Centros Rurais de Treinamento e Ação Comunitária: era o oposto do Rondon, era pegar da Universidade e levar para fora, mas no próprio Estado, sem fazer aqueles deslocamentos fantásticos. Para o Rondon, chegou-se a comprar dois aviões, para transportar os rondonistas."
 
"Quando falam de bolsas bancadas por empresas, me lembro da Embrapa, que desenvolveu um programa próprio de qualificação muito bem-sucedido, tanto que a Embrapa é o que é" Programa Ciência sem Fronteiras
"Vamos começar por uma questão, que é muito chato falar, mas precisa ver como é que você chega às 101 mil bolsas [o programa federal destina R$ 3 bilhões para conceder 101 mil bolsas de estudo no exterior nas áreas de engenharia e ciências exatas; para mais detalhes, leia a reportagem "Ciência Sem Fronteiras é elogiado como iniciativa, mas implementação atrai dúvidas", de Carlos Orsi, publicada na Ensino Superior Unicamp nº 7]. Se a coisa é para ser ciência sem fronteiras... este programa não é de ciência, porque as bolsas de doutorado propriamente ditas... Para chegar às cem mil, eles computam bolsas desde 2009. O programa foi criado em 2011... [risos] Então, seria realmente um programa de ciência se fosse concentrado na formação de cientistas. Não é. É concentrado na formação de tecnólogos: 26 mil bolsas serão ofertadas pela iniciativa privada. Muito provavelmente, as empresas vão estar interessadas na formação de mão de obra, e não de cientistas. Então, na largada já, você tira aí dos cem mil esses 25 mil. E não são bolsas de ciência, são bolsas para a formação de técnicos. Tudo bem, não é que o país não precise, o país precisa. Mas não vamos chamar cenoura de abacaxi. Essas bolsas do setor privado também não se sabe ainda se haverá ou não alguma interferência da Capes e do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], ou se as empresas vão atuar diretamente. Enfim, não se sabe ainda como é que vai funcionar. Dentro das 75 mil bolsas, uma parte [quase 25 mil no caso do doutorado] é bolsa do tipo sanduíche, que implica necessariamente fazer aproveitamento de créditos no retorno. Então esse é um problema que vai ter de ser claramente definido. Não é que seja novidade. Bolsa sanduíche existe há muito tempo, só que normalmente é acertada entre os orientadores, o daqui e o de lá, para dar articulação. Na realidade, estão fantasiando. Tem outra coisa que ninguém sabe o que é, que são os estágios sênior no exterior. São 17,5 mil bolsas de "estágio sênior no exterior". Sabe-se lá o que é isso.
 
O outro lado da questão é o aspecto econômico da coisa. É sabido, desde 2011 há uma briga tremenda nos EUA, porque as universidades americanas estão passando por uma forte crise financeira. E um dos caminhos que estão buscando é captar aluno estrangeiro. Aluno estrangeiro é um aluno bom para eles, porque paga, e paga mais. As taxas para estrangeiro são geralmente mais altas do que as taxas para o estudante americano. E o pagamento é garantido, porque em geral o estudante estrangeiro é mandado pelos governos, e os governos é que garantem o pagamento das taxas. Então é uma renda certa, segura. Fala-se em colocar os estudantes brasileiros nas melhores universidades. Eu duvido. Não é verdade. Recebemos aqui em Brasília uma delegação com representantes de 32 universidades americanas. Nenhuma famosa. A maioria era de colleges americanos, que vieram por aqui passear e tentar atrair alunos estrangeiros. Então, na realidade não há nenhuma garantia de que esses bolsistas brasileiros irão para as melhores universidades. Os bons estudantes brasileiros, que conseguem entrar em Harvard, já estão lá. E nós nunca deixamos de mandar. Todo ano mandamos estudantes para Harvard, MIT, Yale, Michigan. É só pegar os registros da Capes e do CNPq e você vai ver que todo ano tem. Se a presidente Dilma estivesse muito motivada, era só chamar o presidente da Capes, o presidente do CNPq, e eles montariam com certeza um programa muito mais sério do que isso que está sendo feito.
 
"Eu voltaria ao modelo de acordos de universidade para universidade, porque é mais produtivo, o contato é direto e você tira os resultados imediatamente. As coisas que dependem do governo andam muito devagar" Eu sou um tanto pessimista, enfim. Acho que não vai atingir essa meta de cem mil. Não vai chegar lá. Vou te dar um exemplo concreto. No governo Geisel, logo depois do lançamento do primeiro plano nacional de pós-graduação, nós conseguimos, com o CNPq, convencer o governo a ampliar o número de bolsas no exterior. E eu me lembro bem que o presidente Geisel – naquele tempo o presidente da República recebia a gente para discutir, apesar de ser general, de ser uma ditadura, mas o fato é que ele recebia a gente para discutir as coisas –, o Geisel desafiava a gente: "Será que vocês vão conseguir?" Então tivemos que ser bem, não digo modestos, mas cautelosos, na proposta de metas. Vamos expandir? Vamos. Para quanto? Tivemos que ser muito cautelosos, houve discussões sérias entre os técnicos do CNPq e da Capes para chegar a números que fossem razoáveis. Não chegava nem perto disso aí. Era coisa assim de 500 bolsas para o CNPq, 200 para a Capes, os números eram assim, não chegavam a milhares, não. Mas dentro da concepção do plano, com muito esforço a gente conseguiu chegar às metas. E uma das formas eram os acordos bilaterais, que naquela época não eram acordos de governo a governo. Eram acordos de universidade para universidade.
 
Então, um dos programas muito bem-sucedidos foram bolsas para a área de ciências agrárias. Nós tínhamos um acordo com seis universidades americanas, as melhores nessa área. Um programa de formação de PhD's, de doutores, que logo depois foi adotado pela Embrapa. Quando falam de bolsas do setor privado, das empresas, eu me lembro muito do programa da Embrapa. A Embrapa foi uma empresa que desenvolveu um programa próprio de qualificação que foi muito, muito bem-sucedido, tanto que a Embrapa é o que é."
 
Internacionalização
"O mais importante para o Brasil é trazer professores e pesquisadores de fora. Isso não exclui o intercâmbio estudantil, claro, mas a prioridade deveria ser atrair o professor e o pesquisador estrangeiro. Veja bem: quando o processo se dá de baixo para cima, o contato entre professores – um brasileiro e um estrangeiro, ou uma equipe do Brasil e uma equipe estrangeira – discutindo no mesmo nível, aí essa internacionalização acontece naturalmente. Agora, quando se quer fazer uma coisa no nível de governo, é muito complicado. Eu me lembro bem, estive duas vezes na China tentando negociar esse tipo de internacionalização com o governo chinês. Teve um reitor de uma universidade chinesa que me falou: 'Não é por aí. Vamos fazer o que o senhor quer, mas me indique uma universidade brasileira, e eu vou falar com a universidade diretamente'. E você tem exemplos do passado, um deles é a própria USP. Como é que a USP se tornou o que ela é hoje? Trazendo nomes de fora. A Unicamp, menos, mas também teve uma influência importante de professores e pesquisadores estrangeiros. O outro exemplo, pouco citado, mas que considero muito importante, é o da Universidade Federal de Viçosa. No tempo em que ela nem era federal, era estadual, teve um reitor americano, aliás seu primeiro reitor. Com a ajuda dele, foi possível Viçosa trazer vários docentes e pesquisadores dos Estados Unidos. Não há dúvida de que a internacionalização é agora ainda mais importante do que no passado, e deveria ser cultivada com mais carinho. Eu voltaria ao modelo que a gente já explorou no passado, que são esses acordos de universidade para universidade, porque esse modelo é mais produtivo, o contato é direto e você tira os resultados imediatamente. As coisas que dependem do governo andam muito devagar. Eu discuti esse tema umas duas ou três vezes com a Eunice [Durham]: acho que as universidades paulistas têm mais chance de fazer isso do que as federais. A crítica da burocratização das estruturas universitárias, a meu ver, se aplica mais às federais. A burocratização das federais é terrível. Mas existem caminhos. Como sempre, o brasileiro encontra meios. Um caminho é atrair o estrangeiro não para ele fazer parte do quadro da Universidade. Fica uma coisa lateral. A Universidade americana faz muito isso; quando ela pega um estrangeiro, não dá logo de cara uma tenure [estabilidade]. Ele vai ralar muito tempo lá para conseguir uma tenure, mas fica em um quadro paralelo. Acho que a UnB fez isso logo no início, logo na fundação tinha alguma coisa parecida."
 
Proposta de passar o ensino superior do MEC para o MCTI
"Não há nenhuma novidade, essa possibilidade já foi aventada várias vezes. Inclusive, pouca gente sabe, no segundo mandato do Fernando Henrique isso foi muito discutido. Eu participei de discussões pessoalmente lá no Palácio da Alvorada com Fernando Henrique e com dona Ruth [Cardoso, antropóloga e esposa de FHC]. Enfim, não é a primeira vez. Eu não sei, já refleti muito sobre isso no passado, mas não vejo vantagens. Acho que é muito melhor você ter os dois segmentos, em primeiro lugar porque Universidade não é só para fazer ciência, tem de cuidar de outras coisas também. Então, meu primeiro argumento é esse. De repente você pode fazer com que a Universidade só fique preocupada em fazer ciência, em fazer pesquisa e formar pesquisador, então isso é uma coisa preocupante.
 
Segundo problema é que só pegaria, provavelmente, as universidades federais e a regulamentação das universidades privadas. Isso é muito complicado, tratar uma coisa de um jeito e outra coisa de outro jeito. Fiquei esperançoso quando o MEC criou uma secretaria de regulamentação do ensino superior. Não sei bem o que pretendeu com isso, mas pode ser uma coisa interessante. Eu mesmo já fiz, há muitos anos, uma proposta de transformar a Secretaria de Educação Superior do MEC em agência reguladora. A ideia chegou até a ser discutida, mas não foi para frente porque todas as agências reguladoras que existem hoje têm uma fonte de receita própria, e no ensino superior você não tem isso, teria de criar alguma coisa. Então podia ser uma medida antipática.
 
Um terceiro argumento: em todos os países em que a ciência é bem-desenvolvida, o fomento à ciência não fica na área de educação. Estados Unidos nem se fala, tem o CNPq deles, não está ligado à área da educação, é vinculado diretamente ao presidente. Tem o exemplo da Alemanha, que para mim é o mais bem-sucedido, o da França... Em todos os países bem-sucedidos, o fomento à ciência não é problema da educação, é um problema que está fora da área da educação. Sobretudo porque o fomento à ciência não é feito só nas universidades, a ciência também é feita, e às vezes até primordialmente, fora das universidades, seja pelas empresas, seja por outros órgãos. Então eu acho que a ideia de passar para o MCTI não é produtiva.
 
O que, sim, vale a pena discutir, é uma eventual fusão Capes-CNPq, esse é um outro ponto que, sim, vale a pena discutir. Tira a Capes de dentro do MEC, tira o CNPq de dentro do MCTI, e cria uma outra coisa, uma coisa nova. Se bem que a Capes está fazendo agora uma coisa que eu sempre sonhei, nunca consegui, que é atuar também em relação ao ensino básico, com formação e aperfeiçoamento de professores do ensino básico, sempre quis fazer isso e não consegui, agora está fazendo. Não conheço nenhuma avaliação disso, mas tudo indica que está sendo bem-sucedido."
 
Ensino médio, ponte com o setor produtivo e ensino superior privado
"O grande nó da educação hoje no Brasil, ainda por desatar, não tem dúvida, há muito tempo continua sendo o ensino médio. O ensino médio é o desafio que, entra ministro, sai ministro e não tem jeito, não se resolve. Não se resolve! Agora, eu não sei porque não está acontecendo nada, mas com o Fundeb, que abrange o ensino médio também, acho que o Fundeb já devia ter desatado esse nó. Por que que não desata? É um chove-não-molha, a gente fica discutindo isso a vida inteira e nunca se resolve. É claro que o ensino fundamental merece estar sempre bem-cuidado, precisa estar sempre bem-cuidado, mas o gargalo é o ensino médio, porque também tem o problema de qualidade, sem a menor dúvida, mas tem um problema quantitativo ali que é uma coisa brutal.
 
Tem uma outra ideia que anda circulando por aí, causando uma certa polêmica, lançada pelo Gustavo Iochpe, aquela história de botar na porta da escola uma plaquinha com a nota do Ideb... Eu acho uma loucura você classificar as escolas como classifica os hotéis, escolas 3 estrelas, escolas 4 estrelas... Tem que levar a sério a avaliação. O problema é que ninguém mais leva a sério as avaliações. Desse jeito, daqui a pouco ninguém mais acredita em avaliação, para que fazer? Se vai começar a colocar plaquinha com a nota, acho que vai acabar sendo um desestímulo. Você tem de ir atrás de bons exemplos, o próprio Iochpe já fez isso – e tem vários, há muitos bons exemplos –, e tentar copiar, ver o que dá para fazer para reproduzir.
 
Você tem o problema também da ponte com o setor produtivo, que é uma coisa muito complicada. Logo no início, quando se começou a pensar nos cursos de tecnólogos, eu fui um dos grandes estimuladores disso, criei os primeiros cursos federais de tecnologia, mas naquele tempo eu achava que o segredo era discutir com o setor produtivo qual era o tipo de mão de obra que eles queriam: "Que tipo de profissional que você quer, o que que você precisa?". Não dá! Eles não sabem dizer [risos]. Agora, se você for lá no chão de fábrica falar com o mestre ferramenteiro, ele sabe o tipo de mão de obra que precisa. Se for falar com o diretor de Recursos Humanos, ele não sabe. Você tem de levar essa discussão lá embaixo. Quando estava começando, a produção de álcool era um grande desafio na Região Nordeste. Eu tentei criar na Bahia um curso de formação de técnicos em açúcar e álcool. Foi um desastre! Recebeu duas turmas só e depois fechou. Lá no Rio Grande do Sul tentamos um curso de formação de técnicos em couros e calçados. Não funcionou, não deu certo. O pessoal não sabe definir o perfil. E o menino que está fora da escola, fica em dúvida: "Bom, será que vale a pena encarar isso? Vou investir dois, três anos nessa formação. E depois?" Então acaba não tendo demanda.
 
Mas eu acho, viu, que apesar de tudo, nós estamos indo bem. Tem alguns ajustes ainda para fazer. Um dos ajustes muito sérios que precisam ser feitos, e rápido, é a regulamentação do setor privado no ensino superior, porque com essa investida, agora, de grandes grupos – um deles publicou 8 páginas em jornal de circulação nacional com seus balanços... É um negócio fantástico, é um poder econômico. Instituições com ações negociadas em bolsa, centenas de milhares de alunos. São potências. E os grupos estrangeiros estão chegando. Então precisa ficar de olho nisso e botar um pouco de ordem. Só acho que tem muita faculdade privada que é um embulho, é um desastre. A Índia e a China, não sei se já aprovaram, mas estavam discutindo a regulamentação da entrada de capital estrangeiro no sistema educacional. A Rússia já tem essa legislação. O Brasil precisava ter em mente que o segmento cresceu demais, inchou. Eu me lembro que, quando era membro do Conselho Federal de Educação, caiu nas minhas mãos uma proposta não me lembro de quem, de uma instituição privada, foi a primeira instituição que se propôs a criar o pagamento por créditos e não mais por mensalidades. Dependendo do número de créditos que o aluno cursava e tal. Então eu tive de fazer uma análise muito cuidadosa do ponto de vista econômico, olhando a questão do ponto de vista do estudante, e já naquela época, isso deve ter sido nos anos 80, eu no meu parecer chamava atenção para o fato de que o crescimento do setor privado na educação superior ia levar à necessidade de uma regulamentação. Que não veio, que nunca aconteceu. Mas é uma coisa que precisa ser pensada."


[1] Em entrevista à Ensino Superior Unicamp nº5, a professora Eunice Durham, antropóloga da USP e ex-diretora da Capes, afirmou, em referência a Edson Machado: "A gente fazia reunião com o Machado e ele não só conhecia o sistema, como tinha vivido a história do sistema. Eu não, eu entrei sabendo de fora, mas todo aquele período básico da reforma universitária, Machado estava trabalhando no ministério. Uma pessoa que pensava o sistema e indicava esses mesmos problemas que a gente foi descobrindo, inventando a roda outra vez"